Enquanto a próxima edição do festival de cinema mais prestigiado do mundo não chega, falaremos um pouco sobre a repercussão de alguns filmes nas edições passadas. Quem disse que até os grandes diretores não estão sujeitos à vaias e reações negativas? Mesmo estreando no principal palco de cinema do globo, muitos filmes de cineastas de renome causaram bastante controvérsia durante a sua sessão de estreia no Festival de Cannes.
Seja pela sua violência explícita, pela forma de representação do sexo, pelos temas provocativos, pela sua experimentalidade, ou por qualquer outro elemento subversivo, essas obras ficaram conhecidas pela recepção polêmica durante o festival. Para exemplificar isso, separamos uma lista com grandes filmes, elencados por ordem de qualidade (do meu ponto de vista), realizados por autores consagrados, que geraram muita controvérsia quando apresentados na cidade francesa.
1. Taxi Driver: Motorista de Táxi (1976)
Se você está surpreso em ver que Taxi Driver: Motorista de Táxi, um dos grandes clássicos da história do cinema (que continua sendo referência até hoje para filmes como Coringa e Você Nunca Esteve Realmente Aqui), está nesta lista, saiba que nem mesmo Martin Scorsese conseguiu escapar de controvérsias ao estrear, o que considero, o principal filme da sua carreira.
Isto porque, o protagonista Travis Bickle, vivido por Robert De Niro, refletiu na tela o homem solitário contemporâneo, que utilizava a violência como uma forma de revolta contra o mundo. Assim sendo, a brutalidade do personagem, somada ao grafismo adotado pelo diretor (principalmente) no clímax do filme, fez com que muitas pessoas saíssem da exibição em Cannes, completamente chocadas e indignadas com o que viram. Concordemos, fato difícil de imaginar nos dias de hoje…
2. Crash: Estranhos Prazeres (1996)
Realizado pelo visceral diretor canadense, David Cronenberg, Crash: Estranhos Prazeres, diferente de Taxi Driver, causou perplexidade muito mais pela sua forma estranha com que retrata a violência e os prazeres carnais, ao acompanhar um grupo de pessoas que se excitam durante acidentes de carro. Personagens estes, que buscam reconstituir colisões automobilísticas violentas, na tentativa de satisfazer os seus desejos sexuais. Um tema muito semelhante ao filme contemporâneo Titane, que também iremos abordar nessa lista.
Apesar de expor uma visão crítica sobre a sociedade de consumo e da relação do ser humano com a morte, o filme recebeu muitas vaias e reprovações durante a sua apresentação no Festival de Cannes de 1996. Mesmo assim, isso não impediu o longa de vencer o Prêmio Especial do Júri e, com o tempo, se tornar um marco da cinematografia de Cronenberg.
3. A Árvore da Vida (2011)
Árvore da Vida, até hoje, apesar da aclamação de boa parte da crítica (onde me incluo), ainda divide a opinião de boa parte do público. Realizado pelo filosófico diretor Terrence Malick, o filme conquistou a Palma de Ouro no ano em que foi lançado, mas nem por isso deixou de ser bastante criticado durante a sua estreia no festival — por motivos completamente opostos aos de Taxi Driver e Crash, uma vez que estão mais ligados à sua forma experimental.
Através de imagens fragmentadas de várias memórias da vida de uma família, a obra faz uma reflexão meditativa sobre a nossa existência, a vastidão do universo e o sentido da vida. O tom existencial, a narrativa fragmentada, o ritmo lento e outros diversos elementos não convencionais que o filme trouxe, são alguns exemplos do porquê o longa dividiu tantas opiniões. É um filme que recomendo muito aos interessados em obras mais desconstruídas e contemplativas, como 2001: Odisseia no Espaço e Stalker.
4. A Aventura (1960)
Voltando algumas décadas na linha do tempo do Festival de Cannes, encontramos alguns filmes mais antigos que também causaram controvérsia quando estreados, sendo que o melhor exemplo, para mim, é o longa A Aventura, dirigido por Michelangelo Antonioni. Um filme tão experimental quanto Árvore da Vida, mas sem temas tão existenciais.
Hoje, é um clássico absoluto do cinema. Mas no ano em que foi lançado, foi vaiado na cidade francesa, por conta da sua inovação rítmica e narrativa, apostando bastante na questão da atmosfera, assim como Árvore da Vida. O longa, que explora a incomunicabilidade humana, acompanha um grupo de amigos ricos em uma viagem para uma ilha vulcânica no mediterrâneo. Uma mulher some, e seu namorado e sua melhor amiga se apaixonam enquanto tentam procurá-la pela ilha. Sem elementos narrativos clássicos, e sem muita progressão, o filme impactou o público pela forma com que rompeu completamente com suas expectativas.
5. Coração Selvagem (1990)
Até para o irreverente e visionário David Lynch já sobrou vaia e reprovação. E não somente na primeira exibição do filme, mas também durante a recepção da Palma de Ouro do festival, com sua obra psicodélica e libertária que explora, através de um violento ‘road movie’, a relação de um casal em fuga, que viaja pelo sul dos Estados Unidos.
Coração Selvagem conta com uma química incomparável entre os atores Nicolas Cage e Laura Dern e, apesar de ser cultuado nos dias de hoje, dividiu a opinião do público na sua estreia, recebendo, ao mesmo tempo, vaias e aplausos intensos — à semelhança de Taxi Driver, muito por conta da sua violência mais chocante. A meu ver, não está entre as principais obras de David Lynch (por isso a quinta colocação da lista), mas não deixa de ser um grande filme — principalmente para quem gosta de intensos ‘road movies’ como Bonnie e Clyde: Uma Rajada de Balas.
6. Triângulo da Tristeza (2022)
Parece que a controvérsia gerada por alguns filmes na sua estreia, pode ter alguma relação com os principais prêmios do Festival de Cannes. Afinal, a sexta obra aqui citada, assim como as anteriores, também foi galardoada na edição em que estreou, recebendo a Palma de Ouro. O filme de Ruben Östlund é, na minha visão, uma inteligente comédia ácida sobre a alta classe contemporânea, que até lembra o filme O Menu, apesar de ser mais bem dirigido.
Durante uma viagem em um navio de luxo, presenciamos a superficialidade de um núcleo de pessoas ricas. No entanto, após um acidente, a dinâmica social muda e aqueles que sabem como sobreviver em meio à dificuldade, acabam ditando o ritmo do jogo. Mesmo premiado, muita gente rejeitou o tom escatológico e nauseante de Triângulo da Tristeza (aspectos distintos dos outros filmes dessa lista), uma comédia que faz questão de ultrapassar alguns limites para expor a sua crítica social. Escolha esta que, obviamente, nem sempre agrada todo mundo.
7. Maria Antonieta (2006)
Diferente dos filmes anteriores desta lista, este conta com uma história que apresenta figuras reais, o que causou toda a polêmica do filme, principalmente por conta da liberdade artística da obra. Já pensou se a famosa rainha francesa, Maria Antonieta, tivesse um tênis all-star? Sofia Coppola não só imaginou, como colocou essa imagem na tela, em Maria Antonieta. Além desse elemento, a produção também conta com uma trilha sonora marcada por muito rock'n roll e música pop, além de outros aspectos que rompem com o rigor histórico esperado pelo tema do filme.
Convenhamos, não precisamos nem explicar o porquê muita gente reprovou a sua abordagem. O fato é que, mesmo com essa recepção conturbada, o longa de Sofia (pelo menos, para mim) envelheceu muito bem. Sua reinterpretação histórica da vida da rainha, com um visual deslumbrante, e uma visão narrativa humana e jovem, prova que a diretora é uma das autoras mais originais e talentosas do cinema norte-americano contemporâneo.
8. Titane (2021)
Dirigido pela francesa Julia Ducournau, Titane é (na minha perspectiva), ao lado de A Substância, um dos mais relevantes filmes de terror corporal dos últimos anos, que segue uma mulher que após um acidente, acaba fazendo um implante de titânio na cabeça. Agora com o implante, a personagem passa a agir de forma violenta, se envolvendo em uma série de assassinatos (para dizer o mínimo) perturbadores.
Mas calma que as coincidências (da relação entre corpo e máquina/tecnologia) com o filme de Cronenberg (Crash: Estranhos Prazeres) não param por aí. Uma das cenas mais chocantes e que conversa diretamente com a obra do diretor canadense, é quando a protagonista tem relação sexual com um carro. Mesmo vencendo a Palma de Ouro, o filme teve uma recepção mista por conta de algumas cenas bem exageradas, as quais, às vezes, confesso que estão inseridas de uma maneira meio gratuita — por isso, a sua oitava colocação na lista.
9. Megalopolis (2024)
Tal filha, tal pai. Se Sofia já sofreu com a rigidez do público e crítica de Cannes com Maria Antonieta, saiba que o mesmo também aconteceu com o seu pai, Francis Ford Coppola. Megalopolis é o seu filme mais ambicioso, que foi produzido com o seu próprio dinheiro, com cenários grandiosos, intenso uso de tecnologia e um elenco de luxo. Contudo, as primeiras impressões sobre o filme, durante a sua estreia no festival, foram bastante divididas.
O longa acompanha um arquiteto utópico que tenta reconstruir a cidade de Nova Roma com o uso de um material chamado Megalon. A experimentalidade estética do épico, as atuações teatrais, o visual ostensivo e sua narrativa que tenta abarcar inúmeros temas de uma vez só, fizeram com que muitos o considerassem uma obra prima, e outros, um completo desastre. Ao meu ver, não deixa de ser um grande filme que merece ser visto (principalmente por conta da sua coragem), mesmo contando com uma série de buracos narrativos.
10. Anticristo (2009)
Por fim, o Festival de Cannes e Lars von Trier sempre tiveram uma relação um tanto quanto conturbada. Não foi diferente com Anticristo, um filme extremamente polêmico por conta do seu tema, mas também pela violência completamente explícita, perturbadora e sem pudor — até mais incômoda e controversa do que em Titane, mesmo, na minha opinião, sendo um filme inferior.
Na edição em que estreou, o Júri Ecumênico do festival entregou, inclusive, um ‘anti-prêmio’ para o diretor, em forma de revolta contra sua obra provocadora. Um thriller gótico dinamarquês que conta a história de dor de um casal que perdeu o filho, onde durante o processo de luto, eventos misteriosos e brutais começam a acontecer, simbolizando o sofrimento e o mal-estar do casal. Uma obra para quem tem fôlego, que vai de encontro aos filmes mais subversivos do diretor, como Melancolia e Ninfomaníaca.




























































































