Com os festivais de outono no Hemisfério Norte, começou oficialmente a campanha pelo Oscar 2026. Depois de Telluride, Veneza e Toronto, já dá para ter uma ideia do panorama que se desenha para a cerimônia de premiação, em 15 de março do próximo ano.
Vários filmes entraram com força na disputa. É o caso de Hamnet: A Vida Antes de Hamlet, de Chloé Zhao, vencedora dos Oscars de filme e direção com Nomadland (2020). A cineasta dilacerou os corações dos espectadores em Telluride e Toronto, de onde saiu com o prêmio do público.
Frankenstein, de Guillermo del Toro, Bugonia, de Yorgos Lanthimos, e Coração de Lutador: The Smashing Machine, de Benny Safdie, vencedor do Leão de Prata de direção em Veneza, também estão na competição, assim como No Other Choice, do sul-coreano Park Chan-wook.
Outros filmes vêm fortes desde o Festival de Cannes, em maio, que tem sido importante na disputa pelo Oscar nos últimos tempos – Anora, que ganhou cinco estatuetas neste ano, incluindo filme, direção e atriz, veio de lá. Desta edição, Valor Sentimental, de Joachim Trier, It Was Just an Accident, de Jafar Panahi, e o brasileiro O Agente Secreto, de Kleber Mendonça Filho, continuam firmes e fortes na briga. Há também os que pularam os festivais, como Pecadores, de Ryan Coogler, e Uma Batalha Após a Outra, de Paul Thomas Anderson.
Ainda faltam muitos meses para o Oscar 2026, e alguns filmes que não foram vistos por ninguém podem roubar vagas, como Marty Supreme, de Josh Safdie, Isso Ainda Está de Pé?, de Bradley Cooper, Wicked: Parte 2, de Jon M. Chu, e Avatar: Fogo e Cinzas, de James Cameron. Mas a nossa lista tem os filmes que devem figurar entre os indicados, para você ficar de olho desde já.
Hamnet: A Vida Antes de Hamlet (2025)
Com Nomadland, a chinesa radicada nos Estados Unidos Chloé Zhao tornou-se a segunda mulher a ganhar o Oscar de direção – até hoje, foram apenas três, com Kathryn Bigelow (Guerra ao Terror, 2008) e Jane Campion (Ataque dos Cães, 2021) sendo as outras duas. Tudo indica que ela pode conseguir sua segunda estatueta e quarto Oscar para uma diretora com Hamnet.
Nomadland falava de uma mulher, interpretada por Frances McDormand (vencedora do Oscar de melhor atriz pelo papel), em luto. Hamnet, também. Pelas reações emocionadas da crítica e do público que viram o filme em Telluride e Toronto, de forma muito mais contundente e devastadora. Baseado no livro de Maggie O’Farrell, o longa mostra como o relacionamento entre William Shakespeare (Paul Mescal) e sua mulher Agnes (Jessie Buckley) sofreu com a perda de um filho e levou o dramaturgo a escrever uma de suas maiores peças, Hamlet.
Jessie Buckley, que concorreu ao Oscar de atriz coadjuvante por A Filha Perdida (2021), transformou-se na favorita à estatueta de atriz por sua performance crua. Até por isso, Hamnet é para quem não tem medo de chorar feio no cinema, como Ainda Estou Aqui (2024), de Walter Salles, Vidas Passadas (2023), de Celine Song, e Aftersun (2022), de Charlotte Wells.
E, como as chances de um filme ao Oscar têm muito a ver com o momento que os Estados Unidos e o mundo estão passando, ele deve ganhar força se a Academia estiver disposta a afogar suas dores na emoção.
Frankenstein (2025)
Um novo filme de Guillermo del Toro sempre é cotado para o Oscar – O Labirinto do Fauno (2006) levou três estatuetas, A Forma da Água (2017) ganhou filme, direção, trilha e design de produção, e Pinocchio por Guillermo del Toro (2022), melhor animação. Imagine então quando se trata de uma adaptação que ele vem sonhando em fazer desde criança: Frankenstein, baseado no livro de Mary Shelley.
O cineasta mexicano adora retratar os monstros como seres incompreendidos, provocando identificação. Aqui, o Monstro (Jacob Elordi) criado pelo Dr. Victor Frankenstein (Oscar Isaac), um misto de cientista e artista pensando ser Deus, é uma dessas criaturas. Mas o verdadeiro vilão é o pai de Victor, Leopold (Charles Dance). A paternidade parece ser um dos temas neste ano, com filmes como Uma Batalha Após a Outra, O Agente Secreto, Valor Sentimental e Hamnet lidando com o tema de maneiras diferentes.
Embora muitos considerem que o filme não tem muita vida, quase todo o mundo concorda que Del Toro criou um universo visual rico, como fez no passado em produções como A Colina Escarlate (2015) e O Beco do Pesadelo (2021). Se você aprecia viajar nos detalhes dos figurinos e cenários, tudo feito à mão, Frankenstein é uma boa pedida.
O filme coloca esse visual luxuoso a serviço de sua pegada gótica sombria, sem medo de exibir violência, como Drácula de Bram Stoker (1992), de Francis Ford Coppola, e Nosferatu (2024), de Robert Eggers. Mas Del Toro é bem mais pudico do que seus pares, que não temem explorar os temas sensuais e sexuais das obras. Nesse aspecto, o diretor está mais próximo de Tim Burton, especialmente de obras como Edward Mãos de Tesoura (1990) e A Noiva Cadáver (2005).
Frankenstein saiu sem prêmios do Festival de Veneza, mas conseguiu um segundo lugar na escolha do público em Toronto, o que deu uma forcinha nas suas pretensões para os prêmios da Academia.
Casa de Dinamite (2025)
Casa de Dinamite, estrelado por Idris Elba e Rebecca Ferguson, é outro filme que saiu de Veneza sem prêmios. Mas ninguém é besta de deixar Kathryn Bigelow, uma das únicas mulheres a ganhar o Oscar de direção, de fora da corrida.
A diretora sabe como poucos segurar seus filmes em níveis altos de tensão, como demonstrou não só em Guerra ao Terror como também em Caçadores de Emoção (1991) e A Hora Mais Escura (2012). Com seus personagens obcecados, suas obras são uma boa escolha para quem gosta de filmes como Zodíaco (2007), de David Fincher, e Whiplash: Em Busca da Perfeição (2014), de Damien Chazelle, outros dois diretores que adoram uma pessoa focada ao extremo.
Como fez em filmes anteriores, em Casa de Dinamite, ela usa o thriller para tratar de um tema sério: a ameaça nuclear. Seus filmes se inserem na tradição norte-americana de thrillers políticos, com filmes como Três Dias do Condor (1975), de Sydney Pollack, Todos os Homens do Presidente (1976), de Alan J. Pakula, Munique (2005), de Steven Spielberg, e Argo (2012), de Ben Affleck. Se você gosta desses, aposte em Casa de Dinamite. O filme também tem elementos para agradar aos membros da Academia que querem passar um recado com sua escolha. Mas a verdade é que não faltam thrillers na lista de possíveis indicados, com Uma Batalha Após a Outra, O Agente Secreto e No Other Choice se encaixando no gênero.
Bugonia (2025)
Yorgos Lanthimos tem experiência em sair do Festival de Veneza consagrado para a temporada de premiações. A Favorita (2018) ganhou o Grande Prêmio do Júri e a Coppa Volpi de atriz e foi indicado a dez Oscars, vencendo o de atriz (Olivia Colman). Pobres Criaturas (2023) levou o Leão de Ouro e depois concorreu a 11 Oscars, ganhando quatro, incluindo melhor atriz (Emma Stone).
Bugonia, a quinta parceria do diretor grego com a atriz norte-americana, não teve o mesmo sucesso no festival desta vez. Mas a interpretação de Emma Stone foi unanimidade tanto na Itália quanto em Telluride, e o filme também recebeu elogios por sua radicalidade.
Desta vez, a atriz interpreta a CEO de uma empresa que é sequestrada por dois obcecados por teorias da conspiração (vividos por Jesse Plemons e Aidan Delbis), cismados que ela é uma alienígena disposta a destruir a Terra. Dá para perceber que a trama é maluca do jeito que Lanthimos gosta. Ele faz um cinema bem particular, mas, se você gosta de um humor meio sombrio e uma visão de mundo perversa, por exemplo, de filmes como Os Idiotas (1998), de Lars Von Trier, e Happy End (2017), de Michael Haneke, Bugonia é a aposta perfeita.
Coração de Lutador (2025)
Havia um bocado de expectativa em relação a Coração de Lutador, o primeiro filme solo de Benny Safdie – o ator e diretor costuma trabalhar em parceria com o irmão Josh. Os dois fizeram juntos Bom Comportamento (2017), com Robert Pattinson, e Joias Brutas (2019), com Adam Sandler, filmes independentes frenéticos, com ótimas atuações. Curiosamente, Josh também dirigiu um longa solo neste ano, Marty Supreme, com Timothée Chalamet, que ninguém viu ainda.
A ida de Benny para Veneza deu certo. Ele saiu do festival com o Leão de Prata de direção. E ainda firmou Dwayne Johnson, que interpreta o lutador de MMA Mark Kerr, como um candidato sério ao Oscar de melhor ator.
Kerr é um personagem atormentado, que doma a violência para usá-la no octógono e lida com as ameaças da celebridade e a dificuldade de conciliar tudo isso com seu relacionamento com Dawn (Emily Blunt). Por isso, ele deve agradar a quem é fã de filmes do gênero, como O Lutador (2008), de Darren Aronofsky, e o clássico Touro Indomável (1980), de Martin Scorsese. E quem acha que filme de Oscar é, preferencialmente, uma cinebiografia, como Oppenheimer (2023), de Christopher Nolan, Carruagens de Fogo (1981), de Hugh Hudson, e Um Completo Desconhecido (2024), de James Mangold.
No Other Choice (2025)
Poucos cineastas têm um estilo tão criativo quanto o sul-coreano Park Chan-wook. Quem assistiu a Oldboy (2003) e Decisão de Partir (2022) sabe do talento visual do diretor, famoso por criar cenas que deixam o espectador pensando como ele fez aquilo. No Other Choice não é diferente.
No Other Choice tem uma pegada Parasita (2019), do seu compatriota Bong Joon-ho, a primeira produção estrangeira a ganhar o Oscar de melhor filme, além de outros três: direção, roteiro original e longa internacional. No seu thriller satírico, Park também faz uma crítica ao capitalismo que não dá condições mínimas de sobrevivência, com um pai de família (Lee Byung-hun, de Round 6) que resolve eliminar a concorrência para conseguir se recolocar no mercado de trabalho. A premissa pode ser um pouco absurda, mas provoca identificação. É daqueles para quem adora uma história particular, de um indivíduo ou família, refletindo problemas maiores da sociedade e do país, como a masculinidade frágil.
O filme teve muitas críticas positivas no Festival de Veneza, mas saiu sem prêmios. Em Toronto, ganhou o prêmio do público para produções internacionais.
O Agente Secreto (2025)
O Agente Secreto, dirigido pelo brasileiro Kleber Mendonça Filho e estrelado por Wagner Moura, saiu do Festival de Cannes com dois prêmios – direção e ator – e cheio de críticas positivas. É o candidato do Brasil a concorrer por uma vaga ao Oscar de filme internacional e tem aparecido nas listas de previsões em outras categorias também, especialmente ator.
Como disse Fernanda Torres ao longo da campanha vitoriosa de Ainda Estou Aqui, é quase impossível um ator brasileiro falando em português estar entre os concorrentes, mas Wagner, como ela, merece muito uma indicação. Ele dota seu Marcelo, um homem que se refugia em sua cidade-natal, o Recife, de muitas nuances.
É um thriller com cenas de ação, com splashes de filme de terror, que primeiro mergulha o espectador em uma atmosfera de paranoia durante o Brasil da ditadura, embora ela jamais seja citada. É um filme sobre resistência em tempos difíceis com ajuda da comunidade e da reaproximação de um pai com o filho. Marcelo escolhe manter posição, quando seria mais fácil ceder. Embora se passe nos anos 1970, reflete o mal-estar de um mundo de democracias ameaçadas, como Uma Batalha Após a Outra, de Paul Thomas Anderson, e It Was Just an Accident, do iraniano Jafar Panahi.
É um universo rico, cheio de citações brasileiras em geral e pernambucanas em particular, povoado de outros personagens com momentos para brilhar e uma reconstituição de época saborosa. Por isso, funciona bem para quem gosta de embarcar em uma experiência, sem se importar tanto com trama, meio na linha de filmes como Blade Runner: O Caçador de Androides (1982), de Ridley Scott, ou Cidade dos Sonhos (2001), de David Lynch.
Valor Sentimental (2025)
Sabe aquele drama familiar bem-feito, bem-escrito, bem atuado, que faz rir e chorar? Valor Sentimental, que ganhou o Grande Prêmio do Júri em Cannes, uma espécie de segundo lugar, é desses. O longa dirigido pelo norueguês Joachim Trier (A Pior Pessoa do Mundo, de 2021) vem, desde então, aparecendo em diversas listas de possíveis indicados e é um dos principais concorrentes do brasileiro O Agente Secreto na categoria filme internacional.
Como o longa de Kleber Mendonça Filho e Uma Batalha Após a Outra e Hamnet, fala de paternidade, ou de pais tentando se reconectar com os filhos, frequentemente por meio da arte. Stellan Skarsgaard é um cineasta que tenta se reaproximar das filhas, agora adultas, depois de abandoná-las. Valor Sentimental tem atuações memoráveis de Skarsgaard, Renate Reinsve, Inga Ibsdotter Lilleaas e Elle Fanning, que interpreta uma atriz norte-americana que ganha o papel no novo filme de Gustav. O longa vem sendo comparado a filmes de Ingmar Bergman, autor de obras densas sobre família como Sonata de Outono (1978). Mas a verdade é que Trier dosa o drama com muitos momentos de leveza, meio como Assunto de Família (2018), longa de Hirokazu Koreeda vencedor da Palma de Ouro, e A Lula e a Baleia (2005), de Noah Baumbach. Se você gosta desses, aposte em Valor Sentimental.
It Was Just an Accident (2025)
A Palma de Ouro no Festival de Cannes para Jafar Panahi foi a coroação de anos de bons serviços prestados ao cinema. Sobretudo, premiou um cineasta que não só demonstra como resistir ao autoritarismo em seus filmes, como também em sua vida. It Was Just an Accident é seu primeiro filme desde que terminou sua proibição de fazer cinema, uma sentença que foi combinada com passagens pela penitenciária e prisão domiciliar durante anos.
Panahi, que ganhou a Câmera de Ouro em Cannes com sua estreia, O Balão Branco (1995), faz um cinema que mostra como a opressão se manifesta no dia-a-dia de pessoas comuns, sejam as crianças que não são ouvidas, as mulheres impedidas de entrar nos estádios de futebol (Fora do Jogo, de 2006) ou ele mesmo, filmando escondido confinado em uma casa (Cortinas Fechadas, de 2013) ou disfarçado de taxista (Táxi Teerã, de 2015, Urso de Ouro em Berlim).
Em It Was Just an Accident, não é diferente: Vahid (Vahid Mobasseri) tem certeza de estar diante de seu torturador quando um pai de família para em sua oficina para consertar o carro, depois de atropelar um animal. O que se segue é uma contemplação, muitas vezes divertida, sobre a verdade e a moralidade. Como O Agente Secreto, é um filme cheio de vida sobre como manter sua humanidade em tempos de tirania. Ele coloca uma questão aos personagens que serve para o próprio diretor e para as pessoas na plateia: o que você faria nesse lugar? Se você gosta de filmes sobre resistência, de Casablanca (1942) a Star Wars: Guerra nas Estrelas (1977), dê uma chance a It Was Just an Accident.
Uma Batalha Após a Outra (2025)
Fazia tempo que Paul Thomas Anderson, diretor de Sangue Negro (2007), Trama Fantasma (2017) e Licorice Pizza (2021), não dirigia um filme no presente. Mas ele volta aos dias de hoje com um torpedo, Uma Batalha Após a Outra, que não passou em nenhum festival e logo na estreia já foi catapultado a favorito na temporada de Oscar.
Como O Agente Secreto, o filme trata de resistência, paranoia e paternidade. Leonardo DiCaprio é Bob, que vive fora do sistema com sua filha Willa (a revelação Chase Infiniti). Quando ela desaparece, o antigo grupo de revolucionários ao qual Bob pertencia se reúne para procurá-la.
O diretor é um mestre em captar as falhas de seu país e desconstruir sua imagem com humor, originalidade, explosividade e uma certa energia caótica. Seus filmes todos merecem ser vistos, e há uma grande chance de você apreciá-los se também gosta de Robert Altman (como O Jogador, de 1992) e Quentin Tarantino (Era uma Vez em... Hollywood, de 2019).
Pecadores (2025)
Como Uma Batalha Após a Outra, Pecadores não passou em nenhum festival, seja de outono ou não. Mas, desde sua estreia em abril, o filme de Ryan Coogler permanece na lista de prováveis indicados ao Oscar – um feito para um filme de terror.
Mas é compreensível. Coogler sempre tratou de coisas sérias, até mesmo em blockbusters como Pantera Negra (2018). Aqui, os gêmeos Smoke e Stack (interpretados por Michael B. Jordan) voltam à cidade natal e montam um bar para a comunidade negra no sul dos Estados Unidos. É um refúgio em tempos de leis segregacionistas, mas nem lá estão a salvo.
Pecadores valeria só pela maior cena do ano até aqui, em que passado e presente, ancestralidade e resistência se unem em um salão de baile. Mas o filme oferece reflexão e recuperação da história com roupagem de diversão, além de ótimas atuações de Delroy Lindo, Wunmi Mosaku, Hailee Steinfeld e Jack O’Connell. É o filme ideal para quem gosta de assistir a produções sobre racismo com roupagem de gênero, como Corra! (2017) e Infiltrado na Klan (2018), além de ser um filme de terror bem interessante.